Anon

Já vivenciei inúmeras situacões. Lendo os relatos e recordando o que já vivi, percebi, infelizmente, que os abusos foram inúmeros. Quando eu tinha uns 15 anos, estava passeando de bicicleta com uma amiga. Logo percebi que tinha um homem nos seguindo. Era difícil conseguir chegar em casa, pois para isso tínhamos que atravessar uma avenida movimentada. E eu estava tão apavorada que pensava que ao reduzir a velocidade para chegar a avenida, ele nos alcançaria. Depois de muita perseguição, resolvemos que não havia saída. Fomos pra avenida. As pessoas do ponto de ônibus estavam estranhando a situação, eu vi nos rostos, mas ninguém fez nada. Mas, depois de uma hora de perseguição conseguimos chegar na minha casa. Quando chegamos, ele ainda falou um monte de coisas nojentas e depois foi embora. Meu pai foi reclamar com a segurança do bairro e apenas ouviu: Ele só quer fazer amizade, já perseguiu outras meninas também. Acabou por isso mesmo. Mas eu nunca mais andei de bicicleta. E após o ocorrido, senti dores musculares horríveis por causa do intenso desgaste físico. Já deixei de fazer inúmeras atividades, pois detesto as abordagens a que somos constantemente submetidas nas ruas, me sinto invadida, violada. Afinal, eu não permiti sussuros no meu ouvido, olhadas, buzinas, gritos. Eu só quero andar na rua. Sempre atravesso a rua, quando percebo alguém na direção oposta me secando. Desvio de obras e qualquer aglomeração de homens. Mas nem sempre é suficiente. Quando era bem nova, devia ter uns 12 anos, na saída da escola, um grupo de garotos de outro colégio, apertou/passou a mão na minha bunda. Eu não soube o que fazer, não reagi. Não contei a ninguém, mas me senti muito mal, afinal eu não permiti que tocassem na minha bunda. Hoje, mais velha, às vezes revido essas “cantadas” na rua. Na maioria das vezes com um cala a boca ou idiota. Mas é sempre por impulso, pois tenho medo, por conta de amigas que já foram insultadas ao reagir. O mais triste de tudo é que apesar de ter uma mãe controladora e super protetora, sofri abusos dentro do âmbito familiar. E ela nem imagina. Não contei e não pretendo. Fui abusada por um primo, mais velho do que eu. Nem sei como tudo começou, apenas lembro que ele dizia que ele era o pai e eu a mãe. Ele fazia isso com outras primas também – hoje, crescidas jamais tocamos no assunto. Mas o fato é que fomos abusadas, eu e mais duas, e não contamos a ninguém da família. Ele também quis “brincar” com a minha irmã e eu não deixei. Ou seja, eu sabia que aquilo era ruim, que aquilo me fazia mal, mas não conseguia reagir, principalmente porque me sentia muito culpada. Eu não tinha mais que 8 anos. E sempre que voltava de viagem da cidade desse primo, a situação ocorrida me atormentava. Mesmo nova eu já compreendia o funcionamento da nossa sociedade, pensava em contar pra minha mãe, mas temia ser repreendida e acusada. Optei pelo silêncio. E passei a me recusar a participar das brincadeiras. A partir daí, ele e outro primo que passavam parte do verão na minha casa, começaram, agora os dois, a passar a mão em mim, quando não havia ninguém olhando. Mão na bunda, mão nos peitos. Tudo que eu conseguia fazer era fugir deles e fazia isso sempre que podia. Eles também colocavam os órgãos pra fora quando eu passava por eles. Eu me sentia mal, muito mal. Estava sendo violada, abusada, coagida dentro da minha própria casa. E não reagia, tinha medo. Tinha medo do julgamento e de que me culpassem por ter permitido o abuso, anteriormente. O pai desse primo que iniciou os abusos, é o único filho homem da minha avó, que sempre passou a mão na cabeça dele. E todas as irmãs morrem de medo dele, pois é agressivo, violento. E era isso que eu temia, que todo mundo se calasse, passasse a mão na cabeça do filho dele e me culpasse – isso seria exatamente o tipo de coisa que meu tio faria. E as irmãs dele, minha avó e todo resto se calariam, como sempre fizeram. Aliás, esse tio engravidou uma moça que trabalhava na casa da minha vó, quando ela tinha 15 anos e ele já um homem (e casado). Assim que a moça ficou grávida, minha vó a demitiu. Me embrulha o estômago essa história. Como uma mulher demite outra mulher porque a mesma engravidou? Enfim, minha vó mandou embora da casa dela o próprio neto, sem saber. A moça saia com outros rapazes, então de inicio, ela nunca imputou a paternidade ao meu tio. Mas após alguns anos, ela retornou dizendo que o filho era dele. Obviamente, como todo machista calhorda, ele negou a paternidade e xingou a moça. Minha vó passou a mão na cabeça. A moça mandou uma carta pra minha mãe pedindo ajuda. Minha mãe não se meteu. Hoje se arrepende. Enquanto ele não sente o menor remorso pelo que fez, afinal “ela era só uma vagabunda”, eu e minha mãe choramos ao conversar sobre essa história e imaginar o sofrimento dessa mulher e do filho. A moça se chama Julia e procurou minha familia quando o filho era criança. O filho, ao atingir a maioridade, entrou na Justiça para obter o reconhecimento. Exame de DNA feito, paternidade confirmada. O que o tio fez? Nada. Nenhuma assistência material, psicológica, afinal ele era vítima de uma piranha vagabunda, não é mesmo? Depois disso e após algum tempo, a esposa desse tio queria muito que o escândalo estourasse na cidade (a cidade deles é pequena) e ligou para o menino dizendo que minha vó queria conhecê-lo (era mentira, minha vó também o rejeitava) Ele foi, pegou a moto e subiu a serra. Não sei onde ele morava, mas era distante da cidade do meu tio. Subiu a serra e sofreu um acidente. Sim, um acidente. Já não bastasse o tanto de desgraça, esse moço, que só queria encontrar o pai e ser por ele reconhecido, perdeu o movimento das pernas. É uma história tão pesada que não consigo nem pensar em mais nada. Mas é isso, ao que me parece o machismo pode fazer alguém até perder o movimento das pernas. E se meu tio o ajudou ou se compadeceu depois disso? Logicamente que não. Permanece impávido e com a certeza de que nada a deve a alguém que é sangue do seu sangue.